sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Muita agitação

Muito tem andado agitado o nosso país...
Minoria relativa no parlamento para o PS com consequente debate de ideias.
Fumo (se não fogo) de corrupção tanto no poder central como no local, com o consequente prolongamento a outras esferas indirectas de poder (ai a banca!!!).
Um padre acusado de tráfico de armas, outro de fugir com uma das suas paroquianas pela qual segundo a imprensa se apaixonou.
E a(s) crise(s), as crises nacional e a internacional que não nos deixam descansar. Com ela o desemprego e a exclusão aumentam, as famílias vêm as suas dificuldades aumentarem, continuam a gastar-se milhões em guerras, em petróleo, em luxo (para alguns) e não vemos nenhuma luz ao fundo do tunel que nos mostre uma resolução para a(s) mesma(s).
O roubo violento continua a ser uma realidade de todos os dias.
As mulheres (cada vez mais jovens) continuam a ser mortas pelos seus maridos, namorados, companheiros.
O Papa parece que vem visitar-nos em momento tão aflitivo, talvez numa tentativa de alívio de tão grande confusão (mais do que penso eu, venha resolver-nos alguma destas questões). Como se vê não nos faltam motivos de agitação...
No meio de tudo isto aparece quase como prenda envenenada a proposta do Governo de (finalmente) querer propor à Assembleia da República que aprove legislação conducente à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
E envenenada porquê?
Porque na legislatura anterior o governo teve a possibilidade de aprovar uma proposta apresentada pela oposição nesse sentido e recusou-a alegando que não tinha sido incluida no seu programa eleitoral e que portanto não teria legitimidade para o fazer.
Agora vem defender uma proposta menor e descriminatória (que não permite a adopção de crianças por casais homossexuais), com a qual ao que parece (e não me espanta nada), não estão de acordo um determinado grupo de cidadãos deste país que pretende referendar a matéria (tal a importância que lhe atribui), que tem vindo a colher assinaturas maioritáriamente à porta das igrejas aparentemente com bastante sucesso (o que também em nada me admira).
O governo defende-se dizendo que agora já tem legitimidade para votar a matéria, pois o "povo" (nunca consegui entender muito bem esta palavra, para mim sempre fomos todos concidadãos) deu a maioria ao seu partido e no programa eleitoral esta questão estava incluida.
Os tais cidadãos pelo referendo, alegam que esta é uma questão que abala os principios sociais da "família" e da sociedade e portanto deve ser referendada, não tendo isto nada a ver com direitos humanos (que segundo os signatários é uma capa para defender o indefensável, a não ser claro que este indefensável, seja defendido pela maioria do povo que vá votar). Vamos portanto promover a discriminação com votos.
Recapitulemos então.
Os homossexuais fazem ou não parte das famílias existentes e participam eles ou não (e alguns de uma forma muito activa) no desenvolvimento da nossa sociedade?
Onde põem eles em questão estas sacro-santas instituições, não consigo entender.
Os homossexuais continuam e continuaram (como qualquer cidadão) a fazer parte das nossas familias e da nossa sociedade, casem-se eles ou não.
Assim, a única diferença entre os casais de heterossexuais e qualquer casal homossexual é que estes segundos se vêm privados por a maioria da sociedade (que até ver) é maioritáriamente heterossexual de direitos de igualdade.
É necessário entender que esta discriminação na nossa sociedade tem não um dia, um ano, um século, mas milhares de anos (assim não tivesse a nossa querida igreja católica fomentado esta discriminação desde sempre, tal como o tem feito com os direitos das mulheres e tal como a seu tempo o fez com os direitos dos negros, já para não falar dos quantos foram assassinados em nome de Deus por pensarem de maneira diferente desta mesma igreja).
Os negros conseguiram libertar-se da escravatura e as mulheres conseguiram a sua igualdade legal (ambos os grupos com muitas lutas), mas ainda hoje continuam a sofrer na pele a discriminação.
Como seria hoje a nossa sociedade se os negros e as mulheres não tivessem conquistado a sua igualdade legal?
Não o conseguimos sequer imaginar e provavelmente não o queremos.
Como provávelmente não quereremos imaginar a nossa sociedade de hoje quando dentro de algum tempo os nossos irmãos e irmãs, primos, pais e amigos homossexuais tiverem os mesmos direitos legais que todos os cidadãos heterossexuais têm hoje.
Não nos poderemos esquecer que todos eles (homossexuais) são tão homens e mulheres como os heterossexuais e que tal como estes perfilham diferentes credos religiosos e têm diferentes raças. São portantanto um grupo tão heterogénio como o dos heterossexuais.
Não entendo portanto como poderiamos propor um referendo sobre uma matéria de igualdade de direitos (temos exemplos de muitos países onde foram referendados os direitos das mulheres e onde os homens decidiram não lhos dar, temos o triste exemplo da Suiça onde uma minoria, por medos infundados, proibiu a construçaõ de minaretes nas mesquitas). Portanto também neste caso, poderia também a maioria heterossexual (ainda que a abstenção fosse grande) decidir que os homossexuais não têm direito aos mesmos direitos que todos os cidadãos heterossexuais. Mas teriam estes legitimidade para tomar tal decisão?
Será que também poderiamos referendar hoje os direitos das mulheres, a escravidão para os negros, a obrigatoriedade de perfilhar uma religião para os que não perfilham a mesma religião que nós (quem já esqueceu os novos cristãos da época inquisitorial?), será que podemos referendar a nossa condição de seres humanos livres, iguais perante a lei ?
Penso que temos sem dúvida que fazer aprovar sem demora a lei que nos vem também tornar a todos nós pessoas mais justas, mais fraternas, mais tolerantes, mais iguais. A lei que permite finalmente aos casais homossexuais terem o mesmo direito ao casamento civil que os casais heterossexuais.
Todos nós somos de certa maneira responsáveis pelo que se está a passar na nossa sociedade e no mundo (que Copenhaga também nos traga o compromisso necessário à nossa sobrevivência como espécie) e não podemos pensar que por termos mais direitos que os outros e vivermos melhor que eles, somos pessoas melhores, porque provávelmente não somos e provávelmente estamos a cavar feridas que o tempo tem demonstrado serem muito dificeis de sarar.
Boas Festas a Todos, que o Novo Ano nos traga mais felicidade, paz, igualdade, respeito, tolerância (e algum dinheiro para gastos).

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Butterflies

O meu irmão escreveu-o e eu não posso deixar de partilhá-lo. Espero que gostem tanto como eu.

Do sangue vermelho surgem borboletas de todas as cores,
Como se o teu magenta fosse o branco eterno e completo,
Um Sol a desvendar em si o espectro do cabo além dores,
A Boa Esperança enfeitada por asas de cromático dialecto.

Não vejo drama na borboleta pousada no cerejo fontanário,
Nem a vergonha brota dos vulcões sob o leito onde se esvai,
Onde a coragem ordenou lavrar sobre a pele o seu glossário,
Sílabas de fogo guardadas pelos Deuses quando a noite cai.

Não pedem meu perdão as marcianas borboletas que o teu rio enfeitam,
Não escuto o prenúncio da azáfama sanguinosa dos abutres em festim,
Só ouço o mensageiro vento a passar por nossas vidas e à vida dizer sim

Algumas palavras para todos os doentes que estão em sofrimento, na hemodiálise, e nas transfusões...
Gonçalo Barra

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Epidérmico

Não posso deixar de escrever sobre a posição tomada pelo presidente do IPS (Instituto Português do Sangue) a 17 de Julho sobre a (im)possibilidade de aceitação dos homossexuais como dadores de sangue. Desde há vários anos que o IPS vem excluindo das suas dádivas os homossexuais. Chegou este (ainda o presidente do conselho directivo era, outro, Almeida Gonçalves) há uns anos a pedir a opinião dos especialistas desta área (Imuno-hemoterapia) para que fosse incluída no inquérito pré-dádiva, que o IPS faz aos seus dadores, uma questão directa sobre a orientação sexual dos mesmos. Eu na altura tive oportunidade de expressar no serviço onde trabalho o meu desacordo com tal pergunta, pois a meu ver não tinha o menor cabimento do ponto de vista científico. Não sei se ela chegou ou não a ser incluída no inquérito escrito que o IPS faz aos seus dadores antes da dádiva. No Hospital em que eu trabalho essa pergunta não faz parte do inquérito e não temos em termos estatísticos mais dádivas com análises positivas que as estatísticas internacionalmente divulgadas. Provavelmente o número de dadores reprovados pelas mais diversas razões (e as razões são na ordem das centenas), até poderá ser superior à média. Não é agora importante analisar a fundo todos estes dados estatísticos, mas sim perceber se a atitude tomada pelo IPS na pessoa do seu presidente, Gabriel Arcanjo Branco de Olim (sim porque as pessoas têm nomes), é realmente correcta ou carece de fundamentos científicos.
Assim tentemos responder a estas perguntas de raciocínio básico para entendermos da aberração da medida implementada:
1) Será que só por ser homossexual se tem maior risco de contrair doenças transmissíveis pela transfusão?
Os últimos dados mostram que a percentagem de heterossexuais infectados pelo VIH é maior que a de homossexuais (quem sabe se por durante anos se fazer crer que a SIDA era uma doença de homossexuais).
Logo podemos depreender que a transmissão do VIH não tem nada a ver com a orientação sexual mas sim com comportamentos de risco.
2) Será que se for consumir drogas e.v. (endovenosas) tenho um maior risco de contrair doenças transmissíveis pelo sangue?
Sim 90% dos consumidores de drogas e.v. estão infectados com o vírus da Hepatite C (Será que este número vai depender da minha orientação sexual? Claro que não!).
3) Tenho um parceiro(a) sexual estável há 10 anos. Poderei correr o risco de poder contrair uma doença sexualmente transmissível?
Sim, se o seu parceiro(a) tiver relacionamentos sexuais com outra(s) pessoa(s) além de si(Independentemente de os parceiros sexuais serem homens mulheres ou ambos. Logo os riscos neste caso são para homossexuais, heterossexuais e bissexuais).
4) Serei mais consciente se for heterossexual?
Todos os dadores antes de darem sangue têm de ler informação sobre a dádiva e dos eventuais comportamentos (ou outros factores como por exemplo o uso de alguns medicamentos, ou estadia em zonas endémicas de paludismo, etc) que podem por em risco a saúde dos doentes a que se destina o seu sangue. A todos os dadores é dado um questionário escrito para que o dador responda às perguntas feitas, assinando no final, dizendo que compreendeu toda a informação que lhe foi facultada, que as respostas a que respondeu no inquérito são verdadeiras e que todas as dúvidas que tinha foram esclarecidas. Além disso antes da dádiva existe uma entrevista médica em que o médico reforça as perguntas feitas anteriormente (fazendo as perguntas que achar necessárias, com o objectivo de tornar a dádiva o mais segura possível) e esclarece com o dador dúvidas que possam surgir. Ao dador é dada a oportunidade de desistir em qualquer parte do processo sem ter de dar justificação alguma. O dador é informado de que se após a dádiva tiver conhecimento de algum dado que tenha esquecido ou de que tenha tomado conhecimento a posteriori, pode telefonar a relatar o facto 24 h por dia que terá sempre alguém que tome conta da ocorrência e que tome as devidas providências. Será que depois de tudo isto os heterossexuais vão ser mais conscientes que os homossexuais ou vice-versa?
5) Se eu tiver trocado de parceiro sexual ou tenha iniciado actividade sexual há menos de 6 meses posso dar sangue?
Tenha o(a) dador(a) a orientação sexual que tiver se iniciou actividade sexual, mudou de parceiro sexual ou teve um relacionamento sexual esporádico (que não com prostitutas(os)), fica impedido(a) de dar sangue durante 6 meses.
6) Durante quanto tempo não posso dar sangue se tiver tido um relacionamento sexual com um(a) parceiro(a) que tenha comportamentos de risco?
Se tiver um relacionamento sexual com parceiro(a) que seja ou tenha sido prostituto(a) ou que seja ou tenha sido consumidor de drogas e.v., enquanto esse relacionamento durar o potencial dador não pode ser dador de sangue. Se no entanto o relacionamento com estas pessoas terminar (quantas pessoas já terão tido relacionamentos sexuais com prostitutas ou com consumidores ou ex-consumidores de drogas e.v.), o dador pode vir a dar sangue passado um ano.
Se este critério existe e se realmente o relacionamento com estas pessoas é um relacionamento de alto risco porque é que o IPS, que evoca o alto risco dos dadores homossexuais, aceita estes dadores,?Por serem heterossexuais?
7) Todos os homossexuais são promíscuos?
Tal como os heterossexuais existem homossexuais promíscuos, assim como existem pares estáveis com relacionamentos de anos, estes relacionamentos do ponto de vista da dádiva de sangue, são os aconselhados. No entanto isso não quer dizer que só sejam aceites pessoas com relacionamentos de anos, porque senão não haveriam certamente dadores de sangue (a maioria das pessoas não vive toda a vida só com uma pessoa, nem tem durante toda a sua vida o mesmo comportamento sexual).
8) Mas o sangue não é todo analisado?
É verdade que o sangue é analisado para as doenças com maior expressão em termos de eventual transmissão pela transfusão. Mas não se poderia do ponto de vista prático e económico analisar o sangue para todas as doenças transmissíveis e para além disso existe o facto de haverem doenças emergentes para as quais ainda não existem testes disponíveis (caso das doenças priónicas, entre outras). Por essa razão e por os testes apresentarem diferentes períodos de janela (período em que a pessoa pode estar infectada mas ainda não ser possível com os testes existentes detectar a doença), é necessário que haja uma grande consciência por parte de quem dá sangue (mas essa consciência não depende certamente da orientação sexual).

O jornal "Público" noticiava a 31/07/2009 que o director do IPS em entrevista ao jornal "i" que os homossexuais que mintam (quanto à sua orientação - deduz-se) deveriam ser "ética, moral e criminalmente" processados.
Será que este senhor pensa que vive numa qualquer ditadura ou em Marte? Já que no seu perfil inscrito na página do IPS se descreve como Major-general, médico-aeronáutico (fica sempre bem), quando a sua formação em hematologia teria muito mais a ver com o cargo que desempenha.
Por quanto tempo mais iremos nós portugueses (independentemente da orientação sexual)aguentar isto?
Quando é que a homofobia deixará de ser em Portugal um problema epidérmico?